sábado, 31 de janeiro de 2009

Conversando é que a gente.... nem sempre se entende! rs


E o ócio continua... o bom disso é que estou aproveitando para colocar a leitura em dia e para fazer outras coisas que a falta de tempo não vinha permitindo. Quinta-feira fui à Tóquio com a Sophia. Adoooro Tóquio! Tóquio é uma cidade viva, dinâmica, com fôlego jovem, multicultural, onde você pode ser o que quiser, viver do jeito que quiser, ninguém está preocupado se você está bem ou mal vestido, se o seu cabelo é preto ou laranja e principalmente, se você é japonês ou não. É muito bom poder andar pelas ruas de Tóquio totalmente anônima, despercebida em meio à multidão, sentindo uma sensação de liberdade avassaladora, livre dos diversos tipos de preconceito e principalmente livre da violência, o que te dá o direito de usufruir com tranquilidade tudo o que você tanto trabalhou para poder comprar. Infelizmente isso não faz parte da nossa realidade no Brasil. Mas as diferenças culturais entre nós e eles não param por aí. A mulher japonesa sempre foi sinônimo de submissão no contexto familiar e por mais que hoje os tempos sejam outros, por mais que se tenha evoluído muito nesse aspecto, mesmo as mulheres mais jovens ainda mantem valores muito ultrapassados. Uma vez por semana eu tenho aula de japonês aqui mesmo, em casa. A minha professora é uma mulher de seus 40 e poucos anos, morou alguns anos em Nova Iorque, atualmente dá aulas de inglês para crianças do ensino fundamental e até onde eu sei, é uma mulher de bons recursos financeiros. Gosta muito de estrangeiros, principalmente dos brasileiros, tendo assim vários amigos, de diversas nacionalidades... resumindo, é uma mulher portadora de um conhecimento cultural mais globalizado, contudo, nas nossas conversas sobre as relações familiares, eu nunca sei quem fica mais chocada com quem! hauhauhauhauahau Edgar uma vez falou pra eu parar de colocar idéias na cabeça dela porque qualquer hora dessas o marido dela viria aqui me bater hauhauhauahau
Quando ela vem a mim para confidenciar os seus "conflitos familiares", eu juro que sempre tento me manter numa posição mais neutra, tento não colocar o meu ponto de vista porque os nossos valores são muito diferentes e eu sinto que quando eu os coloco, ela sempre fica muito confusa, porque no fundo eu sei que ela concorda comigo, mas como mudar algo que sempre foi daquele jeito? como ir contra um fator cultural que é comum a quase todos no seu país, que está lá enraízado, desde sempre... como se rebelar a isso tudo a essa altura da vida? a empatia me diz que realmente deve ser muito difícil. Mas como eu disse anteriormente, ela está na casa dos seus 40 e poucos anos e eu sinceramente achava que a geração posterior já tivesse uma nova maneira de encarar as coisas... que nada, me iludi! Essa minha professora tem uma amiga de 24 anos, a qual eu conheci ontem. Já havia um tempo que ela estava se programando para que pudessemos sair e fazer alguma coisa juntas, então, essa semana combinamos de jantar fora... as três.
Aqui vai um breve "currículo" dessa minha nova amiga: como eu disse antes, ela tem 24 anos, é formada segundo ela na "faculdade de cultura e línguas", conversa tanto em inglês como em português, é uma pessoa que já viajou bastante e inclusive já morou no Brasil durante seis meses por conta de um antigo relacionamento. A exemplo da minha professora, ela também gosta muito de estrangeiros, principalmente de brasileiros e se interessa bastante pela nossa cultura, apesar de ter uma visão bem distorcida da mesma, mas isso é assunto pra mais tarde.
Fomos jantar. Ambas são pessoas adoráveis, divertidíssimas... só que mais uma vez não sei quem ficou mais chocada com quem.
Acho que estávamos conversando sobre comida, do que gostamos, do que não, até que surge a famigerada pergunta: "E vc Rushiana (quem é Luciana? nem me lembro mais...), o que costuma cozinhar em casa?"
Quem me fez essa pergunta foi a japonesinha e a minha professora que já conhece toda a história, respondeu antes que eu pudesse abrir a boca: "Ela não cozinha nada!! quem faz a comida é o marido dela!". Vale acrescentar aqui que isso não foi falado pejorativamente, pelo contrário, minha professora se tornou a minha maior fã depois que ficou sabendo que eu não cozinho, lembro-me do grande dia em que revelei isso a ela:
Ela - Mas você não cozinha???
Eu - Não...
Ela - Mas pq???
Eu - Porque eu não gosto ué!
Ela - Mas seu marido não fica bravo? não te obriga a cozinhar?
Eu - (?!?!?!?!) Claro que não!!!
Ela - Nossa!! Isso é fantástico!!! Nunca conheci uma mulher que não cozinhasse para o marido...
Dessa vez, foi a japonesinha que ficou passada com a "sobrenatural" notícia de que existe no mundo uma mulher que não cozinha. Ficamos ali explorando o assunto durante um tempo e não me lembro o porque, mas de repente, ela me fala:
"Eu acho que toda mulher depois de casada, tem que ficar em casa, cuidando do marido, dos filhos e das tarefas domésticas, enquanto o marido sai para trabalhar... VOCÊ NÃO ACHA?"
Eu poderia ter respondido um "concordo" e acabado logo com a questão, afinal de contas, eu não tenho muita paciência pra esse tipo de discussão e no mais, argumentar no seu idioma é uma coisa, argumentar em uma outra língua onde tanto você quanto o outro não tem pleno domínio, é pior ainda, mas eu não resisto... hauhauhauha
"NÃO! NÃO CONCORDO!!!"
Nesse momento pensei que a menina fosse engasgar com o seu espaghetti...
"Não concorda?? pq?"
Aí nesse momento coloquei todos os meus argumentos de feminista ocidental, tentando mostrar à mocinha que hoje os tempos são outros, que dentro de um relacionamento ambos trabalham fora, não só por questões financeiras, mas até mesmo pela questão da satisfação pessoal... quanto à mulher, o ficar em casa para cuidar do marido, filhos e casa tornou-se uma opção pessoal, há quem goste... e sendo assim, ambos trabalhando fora, nada mais justo (porém nem sempre aplicado) que ambos dividam as atividades domésticas. Com cara de "meu Deus, o mundo está acabando", ela me pergunta:
"Mas se a mulher trabalhar fora, como ela vai cuidar da casa, fazer a limpeza, arrumar as coisas?"
Sem imaginar o que vinha pela frente, eu respondo:
"Como eu disse antes, eu acho que o casal pode tentar dividir as tarefas, e além disso, se for financeiramente possível pode-se contratar alguém para ajudar nessas tarefas domésticas, claro que estou falando em termos de Brasil." É bom eu explicar aqui que fiz questão de salientar que isso seria uma opção no Brasil, porque aqui no Japão não há empregadas domésticas, até onde a minha própria professora me explicou, somente os muito ricos tem alguém para esse tipo de função e mesmo assim raramente. E não é só porque é caro, mas principalmente porque a organização da casa é tarefa da esposa.
Voltando à conversa... nesse momento a minha professora não estava à mesa, ela havia se ausentado para falar ao celular, por isso não há participação dela nesse diálogo enriquecedor. Bom, ter tocado no assunto "ter alguém para auxiliar no serviço doméstico" libertou a socialista que existia reprimida dentro da japonesinha que me lançou essa:
"Mas não me parece justo ter alguém para limpar a sua casa, afinal, se ela trabalha limpando a sua casa, quem vai limpar a dela? e também hoje em dia todas as pessoas são iguais, não tem ninguém melhor nem pior, então eu acho que é uma discriminação ter alguém pra fazer esse tipo de serviço!!"
Nesse momento eu fui acometida por um desgosto muito profundo e uma vontade maior ainda de falar: Ai Meu Deus, não fala mais nada não... fica quietinha e me poupe de ouvir esse tipo de besteira! ... definitivamente pensamentos socialistas na hora da refeição tendem a me causar indigestão e uma grande vontade de dar uns tapas (tipo pedala Robinho) no socialista em questão.
Depois dessa, ainda perdi mais algum tempo tentando explicar que diarista, faxineira, empregada doméstica ou qualquer coisa do tipo é um trabalho como qualquer outro, que discriminação é achar que um profissional dessa área é "inferior" a qualquer outro e não ter um trabalhando pra você. Acho que ela não digeriu muito os meus argumentos, mas enfim, no que diz respeito às crenças, aos costumes, as tradições de uma determinada cultura, não tem o que se discutir... é claro que a "nossa verdade" é sempre a que faz mais sentido, mas o fato é que até dentro de um único país encontramos culturas diferentes, com hábitos e crenças bem diferentes do restante do país; o que dizer, por exemplo, das marcantes diferenças entre o sul e o nordeste brasileiro. No que diz respeito à minha conversa com a japonesinha, talvez os pontos de vista dela sejam marcados pelos fatores culturais do seu país ou talvez sejam apenas crenças pessoais, mas como representantes de países de culturas tão diferentes, acho que a experiência foi válida para o enriquecimento cultural de ambas, senão, pelo menos agora ela já sabe quem nem todas as mulheres do mundo cozinham. O fato é que acho que esse jantar ainda renderá muitos posts hauhauhauhau.
Em tempo: A foto que ilustra o post é do meu bairro preferido em Tóquio: Shibuya!

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